sábado, 19 de novembro de 2011

Afinar o Movimento – Educação do corpo no ensino de instrumentos musicais


Flora Maria Gomide Vezzá
Fisioterapeuta / Ergonomista

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Este é um resumo da palestra feita no Simpósio, na qual apresentei a discussão que estou aprofundando no doutorado em Promoção da Saúde, em estágio de conclusão na Faculdade de Saúde Pública da USP.
Para falar de saúde, não quero falar de doenças. Quero falar do movimento, e do aprendizado do movimento para tocar um instrumento, pois a natureza do movimento é tal que, uma vez aprendido e automatizado, é muito difícil fazer modificações ao padrão adquirido. Muitos dos problemas de dor e distúrbios do sistema músculo-esquelético que vejo nos músicos que vão ao meu consultório são provocados por excesso de tensão, seja ao tocar, seja naquilo que acompanha o tocar – chegar aos locais de ensaio, carregar o instrumento, enfrentar pressões de desempenho...
O corpo humano produz movimento como uma orquestra produz música. O movimento é algo aprendido, depende da coordenação de muitos grupos (musculares) diferentes, e pode ser afinado ou desafinado – chamo de desafinado o movimento que provoca dor, que induz sobrecarga e lesões.
O movimento humano é aprendido na interação com o ambiente, através de todas as experiências vividas pelo ser. Por isso, ele carrega em si a marca individual de cada um, unindo o corpo, a mente e os sentimentos em sua expressão no mundo. E o mundo humano é um mundo social; nós nos ajustamos às exigências do grupo social no qual vivemos, do qual fazemos parte, inclusive através do movimento e de como trabalhamos o corpo.
Ao aprendermos um movimento, o nosso cérebro inicia um processo de automatização – os comandos necessários para realizá-lo vão ficando tão organizados que o cérebro quase não precisa pensar neles, o que permite que ele possa se dedicar a outras coisas. Isso tem aspectos positivos e negativos: o movimento automatizado é fácil e rápido, mas também tende ao estereótipo, quer dizer, é repetido com muita precisão, com uma variação mínima. O movimento automatizado é o que se poderia chamar de “melodia cinética”, que é executada como construção única e singular.

O gesto profissional
Aprender um instrumento é adquirir uma linguagem, que tem conhecimentos, signos e movimentos específicos. Trata-se de uma educação do corpo para a aquisição de um gesto altamente estruturado: o corpo é o primeiro instrumento a ser dominado para sua produção. Educar o corpo significa construir um emparelhamento sensório-motor: o som produzido emparelha-se com a sensação da posição e do movimento das partes do corpo, permitindo que o corpo “conheça” não um movimento isolado, mas uma combinação do conjunto que resulta em música.
A participação do professor neste processo é fundamental. Ele exerce dois ofícios: o artesanato[1] da música, em que ele usa de seu corpo para criar arte, e o ofício de professor. Estes dois ofícios são distintos, mas muito próximos – um ensina ao outro.
O professor oferece ao aluno um modelo prestigioso a imitar; ele auxilia o aluno a ativar este instrumento, seu corpo, e tem que encontrar a maneira de traduzir o gesto, a informação e o espírito da música em palavras ou outro tipo de instruções que ajudem o aluno a encontrar o caminho, dentro de si, para o melhor movimento. E qual seria o melhor movimento? Aquele que resulta boa música, no instrumento e no corpo. Aquele cuja prática ajuda o aluno a superar dificuldades específicas, a atingir a maestria técnica e artística com a menor sobrecarga do corpo. Aquele que põe em marcha um processo de constituição do gesto profissional no qual o aluno, de forma consciente e atenta, perceba não só o resultado externo – a música que é ouvida – mas o resultado interno – a música interna tocada por seu corpo.
Os saberes de ofício do professor estão ligados à saúde de seus alunos. É ele quem pode despertar o aluno para aprender com seu próprio corpo, conhecendo e respeitando seus limites. Nas palavras de Yehudi Menuhim,
“O professor de música, ao invés de impor, coloca um processo em movimento . . . o papel do professor é instruir o estudante na arte da auto-correção, ou de analisar e pensar, tomar decisões e a seguir aplicá-las à tarefa que está à sua frente.
“O objetivo final do professor é tornar o aluno independente – torná-lo um mestre ao invés de um aprendiz – o professor precisa ser os dois”.

O tema da prevenção de problemas dolorosos entre os instrumentistas surgiu de meu contato com pacientes músicos, e de um estudo epidemiológico entre músicos de orquestra na região do ABC paulista, onde moro, que me mostraram que dor e distúrbios do movimento são o problema que mais afeta os instrumentistas, desde estudantes. O trabalho dos músicos exige muito do corpo: os instrumentos devem ser tocados em posições que quase não variam, e a busca da “boa música” – a interpretação sem falhas – muitas vezes levam o instrumentista a estudar por períodos muito longos, com pouco descanso. Do ponto de vista profissional também há características que levam à sobrecarga, pois os músicos em geral têm vínculos com vários grupos musicais, o que resulta em um repertório amplo (mais horas de estudo), deslocamentos carregando seu instrumento (esforço físico muitas vezes intenso) e na atuação em espaços de trabalho pouco adequados, em que a iluminação, o mobiliário e os acessórios forçam o músico a adotar posturas ainda mais difíceis e cansativas.


[1] Diz o sítio do Conservatório de Paris que o músico é tanto um artista como um artesão, pois faz arte usando seu corpo para construir o resultado.

Um comentário:

  1. Olá, gostaria de saber se haverá algum simpósio relacionado a saúde do musico em 2012?!
    Estou muito triste de não ter ficado sabendo esse de 2011. Não quero perder o próximo!
    Obrigada
    Clariana

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